sábado, 20 de agosto de 2011

CÃO-GUIA: DESOBEDIÊNCIA INTELIGENTE QUE SALVA VIDAS

     

      Parece uma história de amor: a vida de Clayton mudou após conhecer Samanta. Ele diz estar apaixonado pelo seu jeito carinhoso, companheiro e alegre de ser. “Estou encantado! Sempre que a encontro, me emociono”, diz, feliz da vida. A relação de carinho entre os dois, no entanto, não segue o modelo tradicional.
      Samanta é uma dócil labradora de três anos que está sendo treinada para ser cão-guia de Clayton Castro, de 29, deficiente visual desde os 11. “É tudo novo para mim, mas a sensação é a melhor que qualquer um pode imaginar. Ela me passa segurança total, desviando dos obstáculos”, conta. “Com a Samanta, vou viver de forma plena, sem as limitações de antes”, completa.

      Para chegar a essa fase do treinamento, quando o cão e o dono estabelecem um vínculo de carinho, respeito e confiança, a labradora passou por um rigoroso processo de escolha que teve início no seu nascimento.

Começo da seleção
      A avaliação para descobrir se um cachorro tem características para ser um cão-guia começa com a análise de sua estrutura genética. O histórico dos pais do animal é investigado para identificar se há a possibilidade de surgir na vida adulta alguma doença hereditária que poderá atrapalhar o trabalho.
      Reconhecidamente dóceis, característica primordial para ser cão-guia, labradores e golden retrievers são os mais usados. Mas essas raças não são as únicas que podem ser escolhidas. Em países do exterior, border collies e pastores brancos também são treinados.
      “Vira-latas não são usados porque não temos como mapear seus históricos genéticos. Se não fosse isso, poderiam ser. Eles são inteligentes e têm capacidade para exercer a função”, ensina George Thomaz Harrison, fundador da ONG Cão-Guia Brasil e treinador de Samanta.
      Aos três meses, os cães pré-selecionados são expostos a estímulos para ter o comportamento avaliado. Objetos que os animais nunca tenham visto são colocados na frente deles. Assustados, alguns filhotes recuam, latindo. Outros mais destemidos correm para cima do objeto. Têm aqueles que param, cheiram e depois interagem.
      “Esses são os escolhidos. Um cão-guia tem que ser equilibrado e deve manter-se concentrado e tranquilo ao passar por diferentes situações”, informa George. "Também seguramos o cachorro com a barriga para cima. Se ele se debater muito está fora. Procuramos os que se mantêm mais calmos". Segundo ele, às vezes acontece de nenhum cão ser escolhido em uma grande ninhada. “A Samanta foi selecionada entre oito filhotes”, relembra.

Prova de fogo
      Animal escolhido, é iniciada a fase na qual o cãozinho aprende a conviver em sociedade. Regras comuns são ensinadas, como fazer as necessidades somente em locais apropriados e proibir subir em camas e sofás. Ele também aprende coisas mais específicas, como desviar de obstáculos, perceber o movimento do trânsito e encontrar a entrada e a saída de diferentes locais.
      Quando o cão já está com aproximadamente dois anos, vem a prova de fogo: a interação com o deficiente visual. “Nessa hora, o cego também é treinado. Na adaptação, ele pode descobrir que se sente melhor com a bengala”, diz George.
      Esse problema felizmente não aconteceu com Clayton e Samanta. Com menos de uma semana de treinos, os dois demonstram total sintonia. “Saída, Samanta”. “Em frente”. “Para a esquerda”. “Meia volta”. Essas são algumas das orientações dadas à labradora, que está com o equipamento onde o deficiente visual se apoia preso ao peitoral.

Erros e acertos
      No treino, por segurança, o momento de atravessar ruas recebe um foco especial. O cão já está acostumado a parar em todas as beiradas de calçadas e identificar o movimento dos veículos, mas quem dá o comando de travessia é a pessoa que está com ele.
      “O deficiente deve ficar atento aos sons ao redor, de pessoas andando, de carros parados. Se o comando para atravessar for dado e o cão-guia perceber que há perigo, ele vai parar na frente do dono, contrariando a ordem. É o que chamamos de desobediência inteligente”, conta George.

Confira a história do jornalista Lucas de Abreu Maia:
“É mais do que um cachorro, é uma extensão do meu corpo”
      Para atingir esse estágio, há uma atividade curiosa. Na preparação, são retiradas tampas de bueiros em calçadas estreitas. Os treinadores dão a ordem de travessia, mas o cão não deve atendê-la. Se seguir em frente, o método é repetido até ele acertar. Isso acontecendo, o animal ganha um afago.
      A repetição também é usada no aprendizado para desviar de obstáculos, como bancas de jornal, orelhões e postes. “O segredo é a paciência. Não existe maldade com o cão durante o treino, não batemos nele”.

Concentração e aposentadoria
      Durante a fase de adaptação, o deficiente visual também aprende a “batizar” os locais que frequenta com regularidade. Ele deve dizer o nome do local ao cão e bater o pé três vezes. Após algumas repetições, o dono dirá ao animal o “nome de batismo” e chegará ao destino desejado.
      Os treinadores alertam que a função de cão-guia é um trabalho. Mesmo sendo encantadores, o correto é não mexer, distrair e fazer carinhos nos cachorros enquanto estiverem com o colete para que não percam a concentração. Sem o equipamento, eles saem do estado de prontidão e podem brincar e interagir como qualquer animal.
      Por ser uma função árdua, os cães-guia trabalham em média oito anos. Na “aposentadoria” os animais continuam vivendo com os deficientes visuais ou com alguém indicado por eles. “Os cachorros são aposentados com saúde para ainda aproveitar a vida”, diverte-se George.

Fonte: Ig

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