segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

TIA NASTÁCIA: DIVINA COZINHEIRA

   
      As façanhas no Sítio do Picapau Amarelo, o mágico território criado pelo escritor paulista Monteiro Lobato (1882-1948), não se limitavam a viagens pelo espaço ou à Grécia Antiga feitas com o auxílio do "faz de conta" ou de uma boa pitada de pó de pirlimpimpim. Incluíam também aventuras gastronômicas que ficavam por conta de Tia Nastácia, a divina cozinheira de Dona Benta, "que nunca jamais queimou feijão nem coisa nenhuma". Seus famosos bolinhos de chuva eram disputados por Narizinho, Pedrinho, a boneca falante Emília, o sabugo sábio Visconde de Sabugosa e o leitão Rabicó, a linha de frente dos personagens do Sítio, e por todos os visitantes que por lá passavam ? Sancho Pança, o escudeiro de Dom Quixote, foi um dos que se fartou de comê-los. Até hoje a iguaria dá água na boca de milhares de jovens leitores. Em Viagem ao Céu, Tia Nastácia passa uma temporada na Lua preparando seus bolinhos celestiais para São Jorge e só volta ao Sítio, para desgosto do santo, porque morre de medo dos "bufos" do dragão. Alice, aquela mesma, do País das Maravilhas, foi outra que não resistiu ao saboroso quitute. Depois de devorar o primeiro, arregalou os olhos e pediu a receita. Nastácia não era cozinheira que se nega a passar adiante o que sabe ou que dá explicações erradas, mas foi avisando: "A questão não está na receita, está no jeitinho de fazer". Em seguida deu uma de suas gostosas gargalhadas e explicou: "Isto de cozinhar, menina, tem seus segredos. Só mesmo para uma criatura como eu, que nasci no fogão e no fogão hei de morrer...".

          Foi esse talento que salvou Nastácia das garras do Minotauro, monstro devorador de gente da mitologia grega. A aventura começa no livro O Picapau Amarelo, quando ela se envolve nos preparativos do casamento de Branca de Neve com o príncipe Codadade, das Mil e Uma Noites. Está eufórica. Pela primeira e única vez na vida, deixa seu posto na cozinha de Dona Benta para comandar uma equipe de mais de 100 cozinheiros no palácio real. O raríssimo menu é composto de faisões com recheio de língua de rouxinol, javalis assados com molho de néctar do Olimpo e omeletes de ovos de Fênix, mas Nastácia não se deixa iludir: "Ché, tudo isso é bom para quem gosta de comer com os olhos. Para quem come com a boca, e mastiga bem, não há comida como a minha - costeleta com anguzinho de fubá, picadinho, virado de feijão com torresmo..." Uma invasão de monstros das fábulas põe a festa a perder e Nastácia é sequestrada pelo Minotauro e levada ao Labirinto de Creta.
      O salvamento da cozinheira é tema do livro seguinte, O Minotauro. Após arquitetarem um plano para penetrar no labirinto sem se perder, Emília, Pedrinho e Visconde de Sabugosa mal podem acreditar no que encontram lá: o bichão vários quilos acima do peso e Nastácia fritando tachos e tachos de bolinhos para ele: os dotes excepcionais da cozinheira salvaram-na de ser devorada.



       Mestra em leitões assados com rodelas de limão, frango capão com farofa e bolos de milho, Nastácia também estava sempre pronta para improvisar quando necessá-rio. Em Reinações de Narizinho, livro que dá início à saga do Picapau Amarelo, a neta de Dona Benta casa-se com o Príncipe Escamado, um peixe que governa o Reino das Águas Claras. O casamento não chega a se consumar, mas, tempos depois, Emília descobre que o príncipe se casou com uma lampreia. A turma resolve então pescar a "bígama". Resultado: a pobre vai parar na frigideira de Tia Nastácia, que a preparou de acordo com as instruções do clássico livro de receitas O Cozinheiro Imperial. "Foi a homenagem da boa negra à dignidade principesca daquela enguia", escreveu Lobato.
        Fundador da literatura infanto-juvenil brasileira, Monteiro Lobato era antes de tudo um nacionalista. Paulista de Taubaté, sempre conservou o gosto pela comida caipira e lambia se por um picadinho ou um leitão à pururuca. O afrancesamento de nossa culinária exasperava-o e chegou a escrever com seu costumeiro sarcasmo: "Adquirimos tanto o gout que, por instinto, o nosso organismo, num diner elegante, repeliria com vomissements incoercibles um plat nomeado à portuguesa". Como ressaltam Marcia Camargos e Vladimir Sacchetta em À Mesa com Lobato (Editora Senac Nacional, Rio de Janeiro, 2008), o escritor ensina em sua literatura infantil que a culinária brasileira é uma das mais saborosas do planeta e Tia Nastácia traduz isso à perfeição. Não foi à toa que, até o final da vida, Lobato recebeu pilhas de cartas de leitorzinhos com pedidos das receitas da personagem.

FONTE:http://revistagosto.uol.com.br

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