quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

CEGUEIRA EM "CEM ANOS DE SOLIDÃO"

 
 
 
    "Ninguém soube com certeza quando começou a perder a vista. Mesmo nos seus últimos anos, quando já não podia levantar-se da cama, parecia simplesmente que estava vencida pela decrepitude, mas ninguém descobriu que estava cega. Ela percebera-o desde o nascimento de José Arcádio.
 
     A princípio pensou que se tratava de uma debilidade transitória e tomava escondido xarope de tutano e botava mel de abelha nos olhos, mas muito brevemente foi se convencendo de que afundava sem salvação nas trevas, a ponto de nunca ter tido uma noção muito clara da invenção da luz elétrica porque quando instalaram os primeiros focos só pôde perceber o brilho.
 
     Não disse nada a ninguém, pois teria sido um reconhecimento público da sua inutilidade. Empenhou-se numa calada aprendizagem da distância das coisas e das vozes das pessoas, para continuar vendo com a memória quando já não o permitissem as sombras da catarata.
 
     Mais tarde havia de descobrir o auxílio imprevisto dos cheiros, que se definiram nas trevas com uma força muito mais convincente do que os volumes e a cor e a salvaram definitivamente da vergonha de uma renúncia.
 
     Na escuridão do quarto, podia enfiar a linha na agulha e bordar uma casa, e sabia quando o leite estava para ferver. Conheceu com tanta certeza o lugar em que se encontrava cada coisa que ela mesma se esquecia às vezes de que estava cega."

TRECHO DE "CEM ANOS DE SOLIDÃO" - GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

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