quinta-feira, 12 de março de 2015

PRINCESA ISABEL, BEM DE PERTO




Fixada nas páginas dos livros escolares e no imaginário coletivo dos brasileiros como a responsável pela abolição da escravatura no Brasil e nada além disto, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, a princesa Isabel, não costumava, até pouco tempo, despertar nos biógrafos e historiadores um interesse à altura de sua importância. Demonstrando grande habilidade política, Isabel foi regente do Império do Brasil em três ocasiões, enfrentando desafios e momentos graves, e se mostrou uma mulher à frente de seu tempo ao defender, por exemplo, a reforma agrária, a educação pública universal e o sufrágio feminino. Foi também a primeira senadora do país e, após a morte do pai, o imperador D. Pedro II, em 1891, recebeu, de jure, já em plena República, o título de Sua Majestade Imperial, Dona Isabel I, Imperatriz Constitucional e Defensora Perpétua do Brasil.

     Apesar de tudo isso, a literatura voltada para a trajetória pessoal da princesa era relativamente modesta, injustiça que começou a ser reparada pela historiadora Mary Del Priore em seu livro O Castelo de Papel, investigação detalhada do casamento entre Isabel e Gastão de Orleans, o conde D’Eu. Coube agora à jornalista Regina Echeverria avançar nesse movimento de resgate, na recém-lançada biografi a A história da princesa Isabel – Amor, liberdade e exílio (editora Versal, 358 páginas, R$ 49,90). Atendendo a uma encomenda de seu editor, Regina passou dois anos mergulhada em arquivos sobre a família imperial, com acesso a um enorme volume de documentos pessoais da princesa e, principalmente, à sua vasta correspondência: em cartas endereçadas aos pais, ao marido e à sua preceptora, a condessa de Barral, datadas da adolescência ao exílio, Isabel fornece diversos elementos reveladores de sua personalidade e suas ideias, além de iluminar aspectos do contexto político e social da época.



     Em texto fluente e sóbrio, Regina Echeverria apresenta um panorama complexo do Segundo Império, ao mesmo tempo que analisa a dinâmica dos bastidores da corte, com seus códigos de conduta e personagens movidos por objetivos nem sempre nobres. Do nascimento, no Palácio de São Cristóvão, em 1850, até sua morte, em 1921, exilada no castelo da família na Normandia, Isabel emerge como uma mulher forte e determinada, católica fervorosa, mas também bem-humorada e ardilosa, capaz de manobrar junto ao pai para evitar que seu marido fosse enviado à Guerra do Paraguai.

     Por ser jornalista, e não historiadora, a autora estabelece um entrelaçamento entre o histórico e o particular que tem algo de reportagem, sem prejuízo do rigor da apuração. A atenção que Regina dedica aos dramas pessoais da princesa, incluindo o pesadelo da possível infertilidade, causa de grande preocupação na família real – ela só conseguiu engravidar após 11 anos de casamento –, humaniza Isabel e a aproxima do leitor leigo.



     Naturalmente, a autora reconstitui em detalhes o domingo, 13 de maio de 1888, dia em que Isabel desceu da residência de verão da família real, em Petrópolis, para, aproveitando-se da ausência do pai, em viagem ao exterior, assinar a Lei Áurea (que teve a simplíssima redação: “Art. 1º – É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil; Art. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.”). Regina narra também um fato pouco conhecido ocorrido pouco antes da abolição: o bárbaro assassinato a pauladas, por fazendeiros, do delegado da cidade de Penha do Rio do Peixe, atual Itapira, no interior de São Paulo.

     Firmino, executado por ocultar escravos fugidos, se tornou um mártir esquecido do movimento abolicionista. Particularmente interessantes são os pouco estudados anos do exílio que se seguiu à Proclamação da República: aos 43 anos, Isabel saiu do Brasil com sua família, na madrugada chuvosa de 17 de novembro de 1889, para nunca mais voltar. Cumpria assim seu papel de elo entre dois períodos históricos, vitoriosa sobre o passado escravagista, mas derrotada pela ideologia republicana. Além do banimento, a família imperial sofreu também com o confi sco de bens particulares. Praticamente todos os bens e pertences dos Orleans e Bragança foram leiloados. Exilada, com a saúde fragilizada e extremamente abalada pela morte de dois de seus filhos (Antônio, em 1918, e Luís, em 1920), Isabel faleceu em 14 de novembro de 1921. Seus restos mortais foram transferidos para o Rio de Janeiro, juntamente com os de seu marido, em 1953.


por Luciano Trigo
 

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