segunda-feira, 5 de outubro de 2015

CUSTÓDIO DO BARÁ - UM PRÍNCIPE EM PORTO ALEGRE

 
 
   
    Tudo é impreciso, obscuro e excêntrico quando se trata da vida de Custódio Joaquim de Almeida, nascido Osuanlele Okizi Erupê, filho do Rei de Daomé. No final do século XIX, quando a Inglaterra apossou-se da Costa do Ouro, Osuanlele fugiu para o porto de São Batista de Ajudá, um entreposto erigido pela colonização portuguesa. Lá, ele adotou o nome Custódio e rumou ao Brasil após entabular um acordo com os britânicos. As condições desse acerto não são claras. A princípio, o Príncipe Custódio receberia uma subvenção vitalícia dos ingleses e jamais poderia retornar à sua terra natal.
 
    Ninguém conhece o motivo pelo qual Custódio Joaquim de Almeida, fluente em inglês e francês, escolheu o país como exílio. Talvez tenha sido pela intensa migração de patrícios para as terras sul-americanas, ou quem sabe por indicação do Ifá, o jogo de búzios, oráculo no qual o príncipe era perito. O fato é que, depois de passar por Salvador e Rio de Janeiro, ele aportou na cidade de Rio Grande, em 1899, deslocando-se em seguida para Pelotas e Bagé. Em Pelotas, Príncipe Custódio conheceu Júlio de Castilhos, o responsável por trazê-lo a Porto Alegre, em 1901, provavelmente.
 
    À essa época, Júlio de Castilhos debatia-se com um câncer na garganta – mazela empedernida à medicina atual, quanto mais à de cem anos atrás. Positivista, cientificista, homem de luzes e racionalidades, Castilhos entregou-se às mezinhas, aos benzimentos, à panaceia herbária, aos conjuros e tambores do negro curandeiro. O câncer foi inclemente, e o político faleceu dois anos depois de contribuir para a instalação da corte de Príncipe Custódio no casarão da Rua Lopo Gonçalves, número 498, na Cidade Baixa, próximo ao antigo Areal da Baronesa – zona ocupada eminentemente por negros, muitos ex-escravos libertos e descendentes de cativos, quase todos filiados às religiões africanas.
 
    Tendo em Castilhos um avalista de seus sortilégios, Custódio Joaquim de Almeida criou laços com outros ícones da história gaúcha, como Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e Getúlio Vargas: de colarinho branco, todos ‘batiam cabeça’ em seu terreiro, suplicando auxílio para lograrem sucesso nos intentos políticos, requestando a abertura das melhores rotas no espinhoso mapa do poder. Figuras de escol da sociedade porto-alegrense também eram habitués do castelo da Lopo Gonçalves, principalmente nas festas homéricas patrocinadas pelo príncipe – eventos pomposos, de sol e lua, calçados no erário que lhe era depositado com pontualidade britânica. No centenário de Custódio, em 1931, as festividades duraram três dias ininterruptos, ao som dos atabaques e das cantigas ancestrais.
 
    Na Belle Epóque porto-alegrense, época de transformações, do reinício de lutas infindáveis do negro por seu espaço na sociedade, Príncipe Custódio ululava em trajes de gala pelos cafés e salões da Capital; criava e treinava cavalos para o seu divertimento no seleto hipódromo Moinhos de Vento; passeava pelas ruas numa carruagem tracionada por tordilhos e empreendia temporadas de veraneio em Cidreira – viajava alojado em carros arrastados por bois, com sua comitiva fixa de quase 50 pessoas, sem contar os convidados: o trajeto nunca levava menos de sete dias, pois Custódio fracionava o percurso para aderir às recepções que lhe eram oferecidas nas casas de religião.
 
    A atuação de Príncipe Custódio para o batuque gaúcho é considerada fundamental por muitos motivos. A corte do nobre africano não era aberta apenas à elite: Custódio franqueava curas, aconselhamentos e auxílios diversos à população carente que o demandava. Havia até um médico para atender os doentes gratuitamente. Além disso, num período marcado por perseguições, sua influência política garantia a manutenção de certo respeito e segurança à fé dos batuqueiros – termo tornado pejorativo com o tempo.
 
    É provável que essa ascendência aos governantes tenha ligação com a pretensa existência não só do Bará do Mercado, mas de outros seis assentamentos espalhados por Porto Alegre.
 

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